Após fazer uma turnê com o repertório de Elis Regina, a filha Maria Rita lança o disco de samba "Coração a batucar". O novo trabalho é emotivo e, às vezes, indignado. É o caso de "Saco cheio" e "Fogo no paiol", faixas do álbum com certo questionamento social. O novo CD não tem faixas de Elis, mas mostra o impacto da homenagem na cantora.
Ela leva a turnê do disco "Coração a batucar" a São Paulo, na sexta-feira (23), no Citibank Hall. A cantora repete a apresentação no sábado (24). Nos dias 30 e 31 de abril é a vez de o Rio ver a nova turnê de Maria Rita, no Citibank Hall carioca.
"[A turnê anterior] mostrou que preciso resgatar uma 'Maria Rita indignada e socialmente consciente' que eu já fui, e hoje eu sou uma bunda mole", diz a cantora. "[O lado crítico] não estava esquecido, estava com medo. Porque percebo que a gente vive um momento, enquanto artista, que se falar alguma coisa parece babaca, chato. Parece que as pessoas não querem ouvir. Mas acredito que a função do artista é falar, fazer pensar", defende.
Nos shows passados, com repertório da mãe, ela afinou o tom questionador ao retrabalhar "Como nossos pais", "Alô alô marciano" e "Morro velho" e outras. "Não é possível que eu, com 20 anos na faculdade, era mais envolvida que hoje. Agora eu tenho um nome, eu devo fazer mais, devo servir de exemplo. Eu chego lá, vou amadurecer isso", diz.
G1 – Como foi trabalhar com o seu marido, Davi Moraes, como guitarrista?
Maria Rita – Ele tem experiência, antes de me conhecer, de trabalhar com família. O pai [Moraes Moreira] o colocou no palco com oito anos. Também trabalhei com minha mãe desde nova, no sentido de consulta [sobre o legado]. Vi que precisava desligar a chave filha e ligar a chave herdeira. Elis é de todo mundo, mas a mãe é minha. Com o Davi, é da mesma forma. No palco, é da minha equipe, tratado de igual para igual. Desce e vira marido, não tem drama.
A primeira vez que coloquei guitarra no meu show foi no "Redescobrir". Tinha que ser ele, um grande músico. Tem uma bagagem, toca guitarra como violão, cavaquinho. E é sedutor. A primeira vez que o vi, estava na turnê do Caetano. Fiquei embasbacada. "De onde surgiu esse moleque?", pensei. A admiração foi ali. Ele me convidou para o programa no Multishow. Mostrou músicas e eu botei no "Elo". Nesse movimento de pedir autorização, rolou a paixão.
G1 – Seu filho de nove anos também gravou em 'Vai meu samba'. Como foi?
Maria Rita – Antônio é um cara muito legal. Desperta amor onde vai. Não é diferente com a banda. Os caras gostam dele. Em um momento de pausa para o café, ele estava brincando com instrumentos. Virou uma brincadeira com o tamborim. Ele olhou para mim, pois sabe que sou "mãe leoa". Pensei: "O pior que pode acontecer é ter que refazer". Mas ele arrasou, foi super profissional, depois foi negociar o cachê (risos).
G1 – É o primeiro disco depois da turnê com as músicas da sua mãe. Como essa turnê te afetou como artista?
Maria Rita – Mexeu muito comigo. Primeiro enquanto intérprete, pois é como se tivesse um carimbo de excelência. São 29 músicas de um repertório que beira a perfeição. Não falo como filha, mas como intérprete. Minha mãe é musa inspiradora no mundo inteiro. Ter cantado - e sei que fiz direito e passei emoção e verdade - é carimbo de excelência. Eu era filha, e isso seria perigoso. Desde extensão vocal a dificuldade harmônica e de letra, me mostrou muito da minha capacidade. Brinco mais com minha voz, vou além do que ia antes.
Como ser humano, me mostrou a generosidade com o que público me recebeu e me deu colo quando eu chorava no palco. E mostrou que eu preciso resgatar uma "Maria Rita indignada e socialmente consciente" que eu já fui, e hoje eu sou uma bunda mole.
G1 – Eu ia perguntar sobre isso, já que neste disco novo há músicas com este teor social, como 'Saco cheio' e 'Fogo no paiol'.
Maria Rita – Essas letras são uma forma de tocar no assunto sem ser muito pesado. As duas músicas do Gonzaguinha na versão do iTunes são mais escancaradas, com a voz rasgada. A consciência de que devo deixar de ter medo dessa característica vem do show "Redescobrir". Eu já tinha isso. No segundo disco gravei "Minha alma". No "Samba meu" tinha "Corpicho", que tira um sarro dessa coisa superficial. É uma crítica social.
G1 – Então esse lado crítico existia, mas estava esquecido?
Maria Rita – Não estava esquecido, estava com medo. Porque eu percebo que a gente vive um momento, enquanto artista, que se falar alguma coisa parece babaca, chato. Parece que as pessoas não querem ouvir. Mas acredito que a função do artista é falar, fazer pensar. Eu tenho isso latente em mim. Não é possível que eu, com 15, 20 anos na faculdade, era mais envolvida do que hoje. Agora eu tenho um nome, eu devo fazer mais, devo servir de exemplo. Eu chego lá, vou amadurecer isso (risos).
G1 – 'Mainha me ensinou' foi escolhida pela sua história?
Maria Rita – Essa chegou do Xande [de Pilares]. Não foi escrita para mim, não sei qual é a história. Mas identifiquei alguns ensinamentos dessa "mainha" da música: respeitar a natureza, andar no bom caminho, se entregar a um grande amor. São lições que a minha mãe teria passado para mim. E tem "encontrei um amor" e "hoje eu sou mainha também" na letra [Maria Rita é mãe de Antônio, 9 anos e Alice, 1 ano]. Então essa música tomou um tom absolutamente pessoal. Foi até difícil gravar, eu chorava muito na gravação. Chorava, parava, chorava muito. Tenho até ansiedade de saber como vou me portar no palco diante da multidão. Provavelmente vou chorar também.
G1 – Tem a famosa interpretação de 'Atrás da porta' em que sua mãe chora. Você se lembra de ver isso em vídeo?
Maria Rita – É muito forte aquilo. Vi em vídeo sim. Fiquei muito impressionada. Na gravação ela estava brigada com meu pai. Quando canta vem aquilo tudo à tona. Tenta esconder, joga o cabelo, a mão, aquele choro de rímel caindo... É fortíssimo, bonito, sofrido. Bonito porque me emociono quando vejo o artista que se envolve a tal ponto, que ele muda. Tenho respeito pelo artista que na coxia é uma coisa e no palco outra. E aí que tenho certeza que música mexe com ele. Quando vi, sabendo da história, pensei: "O que foi que meu pai aprontou para ela estar desse jeito?" (risos).
G1 – A ideia de, nesse CD, preferir emoção a perfeição técnica tem influência de Elis?
Maria Rita – O Milton Nascimento, no início da minha carreira, disse que eu sou "da mesma forma da minha mãe". Eu não lembro, sei que ela é assim e eu também. Sou muito reta. Não sei mentir, se minto me atrapalho toda, me pegam em dois minutos. Não é proposital. Não tem a ver com alguma lembrança. Só posso dizer da minha verdade. Quando estou no palco, a música mexe muito comigo, sou um bicho muito movido aos sentidos. Já chorei em frente a um quadro. Choro com livro, poema, pela beleza, emoção.
G1 – Qual foi a última coisa que te fez chorar?
Maria Rita – Foi uma notícia do pai que espancou o filho até a morte. Isso me deixou desnorteada. E alguns filmes como "12 anos de escravidão". Fiquei desnorteada num grau... Depois que vimos, minha amiga falou: "Vamos assistir outra coisa para espairecer". Eu falei: "Tenho vergonha, vou deitar nessa cama e dormir com esse barulho, essa dor." Sou chorona.
Maria Rita em São Paulo
Datas: Sexta (23) e sábado (24)
Local: Citibank Hall. Av. das Nações Unidas, 17.955 - Santo Amaro - São Paulo/SP
Ingressos: de R$ 40 a R$ 240
Vendas: www.ticketsforfun.com.br