BRASÍLIA - A trajetória do Brasil nas últimas três décadas fez o país merecer destaque do relatório de desenvolvimento humano de 2014, que tem como tema “Progresso Humano Sustentável: reduzindo vulnerabilidades e construindo resiliência”. De 1980 para cá, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) cresceu 36,4% e chegou a 0,744 em 2013. O país foi um dos que mais melhoraram o desempenho e, por isso, teve políticas sociais elogiadas e recomendadas para o resto do mundo. O programa Bolsa Família é destaque na avaliação das políticas sociais, mas o relatório mostra também que a desigualdade é um desafio a ser enfrentado.
O representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, Jorge Chediek, alerta que o Brasil perde muito com a desigualdade social. E ainda precisa criar uma agenda de desenvolvimento humano ainda mais abrangente que inclua, principalmente, a preocupação com que as pessoas não tenham um retrocesso social e com foco também na redução da vulnerabilidade.
— Não só eliminar a pobreza, mas fazer com que o pessoal não caia novamente na pobreza. O passivo histórico do país é enorme — ponderou Chediek.
Mesmo com os avanços, o Brasil perdeu quatro posições no ranking desde 1980 para Irã, Azerbaijão, Turquia e Sri Lanka, que tiveram um desenvolvimento maior porque melhoraram mais rapidamente seus fracos indicadores. Ainda assim, a trajetória brasileira na melhoria do desenvolvimento humano é comemorada.
Desde 1980, a expectativa de vida do cidadão aumentou 11,2 anos. A renda no Brasil cresceu nada menos que 56%. Já a escolaridade média do brasileiro subiu de 2,6 anos para 7,2 anos na escola. Chediek lembra que quando visitou o Brasil pela primeira vez no final dos anos 70, metade da população adulta era analfabeta.
— A minha primeira visita ao Brasil foi há 35 anos. Este é outro país. O Brasil é um destaque. É um dos países reconhecidos pela trajetória.
Chediek destacou que a mudança no desenvolvimento humano é consequência de ações políticas. Ele citou avanços como o restabelecimento da democracia, a Constituição de 1988, a estabilidade macroeconômica, o Sistema Único de Saúde, a melhoria da educação e a luta para erradicar a extrema pobreza. E várias políticas brasileiras foram usadas como exemplo para a criação de sistemas de proteção dos mais pobres ao redor do mundo.
As iniciativas do Brasil foram citadas em 20 páginas. A adoção de medidas econômicas anticíclicas é um exemplo de uma recomendação para o mundo. No entanto, a vedete do relatório é o programa Bolsa Família. O texto diz que ele protegeu a população brasileira de um retrocesso de desenvolvimento humano por causa da crise econômica mundial. Um dos desdobramentos das turbulências financeiras foi a alta de preços dos alimentos.
“O impacto de um aumento acentuado dos preços dos alimentos em 2008, após a crise financeira global foi mitigado por pagamentos de transferência mais elevadas”, diz o texto, que também alerta que esse tipo de programa deve ser encarado como uma saída emergencial:
“Além disso, não há muito mais que pode ser feito que não seja alívio de emergência, que por mais bem projetado não é melhor a longo prazo”.
REDUÇÃO DO EMPREGO INFORMAL
Um trecho do relatório causou uma divergência entre o escritório brasileiro e a sede do Pnud. A representação deixou claro que discorda da avaliação do relatório de que o Bolsa Família não deve ser um instrumento de longo prazo. Para ele, há pessoas vulneráveis que não conseguirão sair da linha da miséria sem a manutenção do Estado.
— Às vezes, a saída é intergeracional. E, às vezes, a pessoa não tem como sair porque tem um capital social muito baixo. Por isso, as pessoas precisam ter uma proteção social. O programa Bolsa Família está muito bem desenhado. Temos uma discrepância com os nossos colegas do relatório de desenvolvimento humano — afirmou Jorge Chediek ao lembrar que o tema é polêmico e que há intensos debates acadêmicos sobre o assunto.
Ele ressaltou ainda conquistas recentes do país. O Brasil ficou no seleto grupo de países que conseguiram diminuir o emprego informal e aumentar os postos de trabalho formais entre 2007 e 2010. No grupo estão Alemanha, Áustria, Chile, Bélgica, entre outros. Paraguai e Uruguai também conseguiram entrar na lista. No entanto, a maioria das nações desenvolvidas ficaram no grupo que registraram queda dos empregos formais por serem vítimas diretas da crise financeira mundial.
Fonte: Globo