A brasileira Renata Galvão lembra bem do dia em que foi com uma amiga visitar um orfanato em Khayelitsha, a segunda maior favela da África do Sul, localizada na Cidade do Cabo: ela estava com dor de garganta. Era setembro de 2012 e, ao entrar na pequena construção de zinco em que uma mulher cuidava de 18 crianças, Renata acabou sendo tratada como uma das "filhas" da casa. "A Mama tocou de leve a minha testa e me lançou um olhar maternal. 'Você está com febre, meu bebê', disse com preocupação". Mama é como a "mãe de todos" Sylvia Mankayi é conhecida. Naquele dia, ela levou Renata para o único quarto da casa, onde todos dormem, fez um remédio natural e um chá de gengibre.
O orfanato, criado em 1991, é uma ONG regularizada que recebe uma ajuda de custo do governo. Nesses 23 anos, a Mama abrigou 30 crianças ao todo. Sempre no cubículo com um quarto, uma cama e um banheiro sem chuveiro - eles tomavam banho de balde.
Após um ano de convivência, a jornalista brasileira teve a ideia de construir uma casa para a Mama e as crianças. Mas não fazia ideia de como conseguir o dinheiro. "Aí um dia uma gaúcha me manda uma mensagem dizendo que estava na Cidade do Cabo e queria me conhecer, pois temos muitos amigos em comum. Foi o dia que eu conheci a Silvia Kihara. Levei-a no orfanato, pois ela é envolvida com causas sociais, e ela também se apaixonou. Então eu falei da nossa ideia da casa e ela agilizou tudo", contou Renata ao G1.
"Montamos o projeto juntas e mandamos para um site de financiamento coletivo. Em cerca de 4 meses, o projeto estava no ar. Depois disso, centenas de pessoas começaram a compartilhar a história da Mama nas redes sociais, a postar no Twitter, Facebook, blogs etc. Foi bem comovente ver esta movimentação coletiva das pessoas ao redor do Brasil inteiro. Em menos de 2 meses, mais de 200 pessoas doaram e nós arrecadamos 200% da meta. Foi lindo!"
O projeto pretendia arrecadar R$ 12,5 mil e conseguiu R$ 27 mil. A casa nova tem três quartos - um para a Mama e o Tata, seu marido, um para as meninas e um para os meninos - um banheiro, sala e cozinha. Falta o piso, a finalização do banheiro e a pintura. Enquanto isso, os moradores estão em uma casa temporária em um terreno ao lado da obra. "A construção da casa está sendo feita 100% com profissionais, operários e fornecedores de Khayelitsha. Ou seja, nós também estamos criando oportunidades de trabalho para pessoas da comunidade, e capacitando eles a mudar a própria realidade", explica a gaúcha Renata.
Ela conta que quando chegou com a notícia de que tinha o dinheiro para a obra, a Mama e o marido não acreditaram. "Acho que tanta gente já disse que ia ajudar e depois desapareceu, que eles não colocaram muita fé em mim. E eu não os culpo", contou a brasileira.
Eles só se deram conta de que teriam mesmo uma nova casa quando Renata chegou em Khayelitsha com material de construção. "A Mama chorou muito -- ela também fez xixi nas calças de nervosa, tadinha!--. Nunca vou esquecer da cena. Ela se ajoelhou e chorou dizendo: Obrigada! Obrigada! Obrigada! Ela não sabia como reagir. O Tata pulava e me abraçava. Foi muito emocionante."
Renata mora na África do Sul há dois anos. Foi para fazer um trabalho temporário e se apaixonou - pelo país e por um sul-africano. "Hoje eles [Mama e Tata] são minha família. A Mama me chama de filha e eu digo que ela é minha mãe africana. O Tata é super pai para mim também. Ele fez cara de brabo quando conheceu meu namorado pela primeira vez e mandou ele cuidar muito bem de mim."
Renata diz que desde que começou o projeto, muita gente escreve para ela perguntando como fazer para ir para a África fazer trabalho voluntário. "Eu sempre digo para essas pessoas que eu moro na África do Sul por motivos pessoais e profissionais e que continuei aqui a colaboração social que eu já realizava no Brasil. As pessoas não precisam vir para a África fazer trabalho voluntário, o Brasil é um país desigual e infelizmente também sofre com problemas econômicos e sociais. A taxa de pobreza, violência e desemprego no Brasil é gritante e eu tenho certeza que todo mundo poderia mudar a realidade de alguém dentro do seu próprio bairro. Basta olhar para o lado."